Por: Val Benvindo e Wesley Miranda
Postagem: 10:00 04/11/2014
Escolas que funcionam dentro de terreiro
de candomblé trabalham a história e cultura africana, conteúdo que se
tornou obrigatório após a lei 10.639/03Postagem: 10:00 04/11/2014
A Lei 10.639\03, que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira nas redes de ensino pública e particular, completou dez anos em 2013 ainda com dificuldades na implementação. Enquanto escolas baianas descumprem a lei, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), o conteúdo já faz parte do currículo das escolas de Salvador que funcionam em terreiros de candomblé há mais tempo.
Uma delas é a Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos, que funciona dentro do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, no bairro do São Gonçalo do Retiro. A escola nasceu como uma creche chamada Mini Comunidade Obá Biyi, em 1968, e era mantida pela Iyalorixá Maria Stella de Azevedo Santos, mais conhecida como Mãe Stella, e alguns membros da sociedade civil.
A partir de 1978, a creche passou a chamar-se Escola Eugênia Anna dos Santos e atendia alunos do 1º ao 4º ano do ensino fundamental e só foi municipalizada em 1998. No ano seguinte, foi implantado o Projeto Político Pedagógico Yrê Ayó, que está pautado na História e Cultura Afro-brasileira. Atualmente, após a reforma e ampliação, em2004, a instituição atende cerca de 296 alunos na faixa etária entre 5 e 12 anos.
Não trabalhamos o candomblé, a religião em si, na escola. Trabalhamos com os elementos da cultura africana e isso muito antes da Lei 10.639/03, diz Hildelice Benta, diretora da Escola Mãe Hilda
Segundo a diretora da instituição, Analice Mendes, a escola começou a trabalhar com o Yrê Ayó cinco anos antes da Lei 10.639\03 por perceber a necessidade dos alunos afrodescendentes de saber sobre suas raízes para sobreviver numa sociedade que não costuma valorizar a cultura nagô. “Trabalhamos com a questão dos mitos e da cultura africana para ajudar no aprendizado dos alunos. Atividades em roda, com o meio ambiente, tudo isso colabora no processo de entendimento”, diz Analice.
Pelo fato de a escola estar em um terreiro, muitas pessoas acham que a maioria dos professores e alunos são pertencentes ou estão relacionados à religião do candomblé. “As pessoas costumam confundir mas, por incrível que pareça, a maioria dos alunos atualmente é evangélica”, desmistifica a diretora. “Nós (professores) somos todos concursados e não temos relação com a religião, a não ser algumas simpatias que fazemos para arrumar marido”, brinca.
Em Salvador, também há a Escola Mãe Hilda, que funcionou durante dezesseis anos dentro do Terreiro Ilê Axé Jitolu, no bairro Curuzu. Criada em 1988, a escola funcionava, no início, como um reforço escolar ministrado pelas filhas da Iyalorixá Hilda Dias dos Santos, a Mãe Hilda Jitolu, fundadora da instituição, para as crianças da comunidade.
Ao perceber que a quantidade de alunos aumentou com o passar dos anos, a mãe de santo propôs ao Ilê Aiyê, do qual ela era mentora espiritual, que uma escola de ensino básico fosse criada. “Mãe resolveu criar a escola para atender as crianças da comunidade e também os filhos do pessoal do terreiro. Começamos sozinhos e depois tivemos a ajuda de algumas empresas. A pedido dela foi criada a Band’Erê, escola de percussão, canto e dança, para atender as crianças no horário oposto ao da escola”, conta Vovô do Ilê.
Mãe Hilda sempre defendeu a necessidade de ensinar às crianças a preservar e expandir os valores da cultura africana no Brasil. E, foi partir deste pensamento, que a escola rendeu frutos, como o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê (PEP). Criado em 1995, o PEP levava o jeito de ensinar da Escola Mãe Hilda para as escolas públicas do entorno.
“Hoje atendemos cerca de 130 crianças, da alfabetização à 4ª série do ensino fundamental”, diz Hildelice Benta, diretora da escola. Desde 2004, a escola funciona no Centro Cultural Senzala do Barro Preto, Sede do Ilê. No entanto, com frequência os alunos vão ao terreiro para aulas lúdicas e para render homenagens a sua criadora. “Não trabalhamos o candomblé, a religião em si, na escola. Trabalhamos com os elementos da cultura africana e isso muito antes da Lei 10.639/03?, completa Hildelice.
Essas escolas, além de ensinar o mesmo conteúdo das instituições de educação básica tradicionais, ajudam o aluno a aprender a respeitar o próximo, independente de sexualidade, cor ou religião, conhecem uma nova língua – o Yorubá -, descobrem como povos africanos respeitam a natureza e têm contato com mitos e ervas.
Segundo Stela Caputo, professora da UERJ e autora do livro “Educação nos Terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças de candomblé”, as escolas públicas não conseguem combater o preconceito religioso, principalmente por conta da intolerância. “Na escola, mais importante do que aprender física ou matemática, é aprender a não ser racista”, defende a autora.
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