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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A implementação da LDB alterada pela lei 10.639/2003 na educação .


Marco fundamental na história das lutas anti-racismo e pela democratização do ensino, a lei 10.639 completa 10 anos em 2013. Pensando nisto, a formação Educação, Relações Raciais e Direitos Humanos dedicou a manhã do último encontro para debater e refletir sobre a agenda de reivindicações do movimento negro na esfera educacional.
Jaqueline Santos, assessora do Programa Diversidade e Raça na Educação da Ação Educativa, apresentou um panorama histórico dos processos de luta que resultaram em tal marco legal. Ela ressalta que a construção desta pauta começou há mais de um século, quando os/as negros/as do pós-abolição viram na educação formal uma maneira de ascender socialmente.
“Embora hoje saibamos que o ambiente escolar é responsável pela manutenção das desigualdades e da discriminação, em um primeiro momento, a educação foi extremamente valorizada como forma da população negra alcançar novos postos e enfrentar os/as brancos/as numa sociedade em pleno processo de modernização. A história começa a mudar quando acontece a percepção de que a educação eurocentrista, amplamente praticada nas escolas, inferiorizava racialmente negros/as. Era preciso romper, era preciso ressignificar a África”, comenta a educadora.
Ao longo dos anos – sobretudo com o surgimento dos novos movimentos sociais na década de 1970 e a retomada das organizações negras em 1978 após o refluxo ocorrido em função do auge do período ditatorial – a educação ganhou cada vez mais destaque. O cenário se tornou ainda mais favorável na Constituinte de 1988, quando o ensino da história do Brasil considerando as diferentes culturas e etnias passou a ser exigência comum das entidades negras.
Na primeira metade da década de 90 do século XX, foi realizado um dos eventos mais significativos para o movimento negro brasileiro, a Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, Pela Cidadania e a Vida. Recebidos por Fernando Henrique Cardoso, no Palácio do Planalto, os/as organizadores/as entregaram ao presidente o “Programa de Superação do Racismo e Desigualdade Racial”, ato que culminou em mudanças como a revisão dos livros didáticos ou mesmo eliminação daquelas obras que traziam os/as negros/as de forma estereotipada, vinculados a valores pejorativos.
Mais do que isso, a contínua pressão e mobilização conquistou, por meio de leis, a inclusão de disciplinas sobre a História dos Negros no Brasil e do Continente Africano nos ensinos fundamental e médio das redes estaduais e municipais de estados como a Bahia e cidades como Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém, Aracaju, São Paulo, Teresina e Brasília. Jaqueline relembra que apesar da obrigatoriedade do estudo da história dos/as negros/as, pouco se fez para que ocorresse uma efetiva implementação destas normas estabelecidas regionalmente.
No início de 2003, no entanto, o crescimento do debate em âmbito nacional resultou, finalmente, na alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação com a sanção da conhecida lei 10.639, que determinou os seguintes artigos:
Art. 26 – A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1ª – O Conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2ª – Os Conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
Todos estes dispositivos legais encontraram nas “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” as orientações para formulação de seus projetos comprometidos com a educação de relações étnico-raciais positivas. Este parecer, aprovado em 2004, procurou dar respostas na área de educação para demanda da população afrodescendente, por meio da construção de uma política curricular que combatesse o racismo e as discriminações, especialmente dos negros.
Diante desta contextualização, Jaqueline chama a atenção para a importância da participação e do controle social, sem os quais, segundo a educadora, seria impossível pensar em uma forma de regulamentação que efetive a implementação da Lei 10.639.  Avançamos, mas não podemos parar por aí, a legislação federal é genérica, devemos buscar o acúmulo que temos enquanto movimento, estabelecer metas e lutar para que elas sejam cumpridas”, conclui.

Mas se temos as diretrizes, pra que serve um Plano Nacional de Implementação da 10.639/2003?
 Denise Carreira, Coordenadora da Área de Educação da Ação Educativa, ao compartilhar sua experiência como membro da Comissão Interministerial que originou o “Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003”, recorda que um ano após a sanção da 10.639 os movimentos negros, entidades da área de educação e setores governamentais já se organizaram no sentido de acompanhar à incorporação da diversidade etnicorracial nas práticas escolares.
“Foi um período de muitas pesquisas, cruzamento de dados, visitas às escolas, diálogos com gestores/as. Precisávamos checar como a 10.639 estava chegando as mais diferentes partes do país. Logo percebemos vários pontos em comuns nas análises, que culminavam em uma implementação fragmentada sem apoio dos/as gestores/as escolares, tendo como característica uma baixa institucionalização. Bastava fazer uma feira no dia 13 de maio, levar um grupo de capoeira para escola no dia 20 de novembro que se acreditava estar implementando a lei”, relembra.
A partir deste diagnóstico e de uma série de seis encontros denominados “Diálogos Regionais sobre a Implementação da Lei 10.639/2003”, coordenado pelo professor Valter Silvério em 2008, as entidades do movimento negro passaram a exigir a construção de um plano que estimulasse as redes de ensino a garantir condições concretas para efetivação de uma educação antirracista. Como decorrência, foi criada a Comissão Interministerial responsável por desenvolver o plano de implementação da 10.639. Denise destaca que o objetivo não era sobrepor as diretrizes, mas sim apresentar condições para que “a lei ganhasse raízes no mundo da escola”. Ela destaca os eixos do documento:
1) Fortalecimento do marco legal – Isso significa, em termos gerais, que é urgente a regulamentação das Leis 10639/03 e 11645/08 (que trata das questões indígenas) no âmbito de estados, municípios e Distrito Federal e a inclusão da temática no Plano Nacional de Educação (PNE).
2) Política de formação para gestores e profissionais de educação – A formação docente é outro ponto estratégico, ela deve contemplar à compreensão da dinâmica sociocultural da sociedade brasileira, visando à construção de representações sociais positivas que encarem as diferentes origens culturais de nossa população como um valor e, ao mesmo tempo, a criação de um ambiente escolar que permita que nossa diversidade se manifeste de forma criativa e transformadora.
3) Política de material didático e paradidático -  constitui as principais ações operacionais do Plano, devidamente articulados à revisão da política curricular, para garantir qualidade e continuidade no processo de implementação.
4) Gestão democrática e mecanismos de participação social – reflete a necessidade de fortalecer processos, instâncias e mecanismos de controle e participação social, para a implantação das Leis 10639/03 e 11645/08. O pressuposto é que tal participação é ponto fundamental para o aprimoramento das políticas e concretização como política de Estado.
5) Avaliação e Monitoramento – aponta para a construção de indicadores que permitam o monitoramento da implementação das Leis 10639/03 e 11645/08 pela União, estados, DF e municípios, e que contribuam para a avaliação e o aprimoramento das políticas públicas de enfrentamento da desigualdade racial na educação.
6) Condições institucionais – indica os mecanismos institucionais e rubricas orçamentárias necessárias para que a Lei seja implementada. Reafirma a necessidade da criação de setores específicos para a temática etnicorracial e diversidade nas secretarias estaduais e municipais de educação.
Para a coordenadora, “o momento em que vivemos vem muito da reflexão promovida pelo Plano da 10.639. Afinal, o que significa implementar esta lei? Quais são os elementos que a caracterizam? Temos que ter como horizonte o debate sobre qualidade educacional, combater desigualdades é premissa para a garantia do direito humano à educação de qualidade. Para isso, não podemos esquecer da demanda do financiamento, além do que precisamos pensar e incluir nossas metas no Plano Nacional de Educação”.

Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem
 Na parte da tarde, o escritor, educador e capoerista Allan da Rosa, um dos coordenadores das Edições Toró, trouxe para a roda de conversa a valorização de alguns elementos africanos fundamentais para a construção de uma educação antirracista. Segundo Allan, os conceitos de ancestralidade,luta, sedução, jogo e território devem ser encarados como pilares de uma ciência africana elaborada durante séculos de resistência.
“Precisamos afastar, neste momento em que se demonstra urgente o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na escola, o risco de ensinar o vazio, a caricatura. É preciso retomar o ontem, que é a viga para tudo na cultura africana. Esta escolha de considerar os mais velhos, esta nostalgia que não paralisa, mas que puxa a graça e apresenta o destino”, salienta o artista.
Allan comenta que negociar, recuar, avançar para entrar em conflito nada mais são do que práticas que vem da dança, do ritual que marca a ginga das relações étnico-raciais brasileiras. “Estamos falando da educação, ela é o território de resistência da vez, mas também poderia ser o peji do santo, a encruzilhada ou a roda. Os negros estão sempre forjando entre-lugares, para resistência, luta, trocas e ensinamento. Pensar em uma educação para diversidade, passa por considerar esses elementos responsáveis pela perpetuação da população negra e sua fieira de expressões”, conclui.

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