Quando essa preta
Começa a tratar do cabelo
É de se olhar
Toda trama da trança
Transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar
Pra botar no cabelo
Toda minúcia, toda delícia…
“O cabelo é uma das partes mais intrincadas do corpo negro. Especificamente na mulher, ele aparece com muita força: a mulher negra não é referência nem padrão de beleza na sociedade”, afirma Denna, que sustenta um volumoso cabelo encrespado. “Por conta disso, sofremos muita violência estética e isso gera várias consequências, principalmente no processo de formação ao longo da vida.”
Patrimônio imaterial
A trança possui a tradição de ser um aprendizado geracional, quando mães e avós ensinam as filhas a usá-las e praticá-las. Para Nina, trata-se de “um patrimônio imaterial”. “Minha mãe me ensinou a fazer trança quando tinha sete anos, eu aplicava muito nas bonecas. Morávamos com minhas primas e passei a trançar o cabelo delas. Como eram três meninas em casa, uma trançava o cabelo da outra”, rememora Denna, que, quando adolescente, passou a trançar em salões de beleza. Mesmo assim, alisou o próprio cabelo até os 21 anos.
“Quando comecei a ter contato com pessoas que circulavam nas frentes de diálogos raciais e movimentos negros, comecei a repensar essa questão do alisamento”, relembra. “Um dia, cheguei em casa e pedi para minha mãe tirar todo o alisamento da minha cabeça. Ela chorou. Na época, ela alisava muito e não conseguia se libertar disso. Hoje, tem um blackpower e nem se imagina sem ele.”
No Ensino Médio, Nina fez tranças com lãs coloridas e descobriu que não mais precisaria alisar o cabelo. “Daí por diante foi só reflexão sobre a questão do corpo, do cabelo, a minha aparência, o quanto isso reflete e referencia as pessoas.”
Eu vou pentear os meus cabelos
Depois vou falar pra mina ali trançar os meus cabelos
Eu vou lavar os meus cabelos
Secá, pintá, alisá, cerá meus cabelos
Eu vou raspar os meus cabelos
Vou ficar penteando com escovinha de dedo os meus cabelos
Eita é cabeleira pra daná, aonde é que isso vai dar
As oficinas do Manifesto Crespo ensinam quatro técnicas de trançagem, além de outras maneiras de pentear o cabelo crespo – o turbante faz grande sucesso entre as participantes. Realizadas inicialmente em espaços comunitários como o Quilombaque de Perus, os CEUs de Guaianazes e Inácio Monteiro, o Cedeca e os ensaios do bloco Ilú Obá de Min, com a chegada do patrocínio do VAI, o grupo passou a frequentar espaços maiores, como SESCs e ONGs.
A atividade começa com uma dinâmica de grupo, na qual cada participante conta um pouco de sua história capilar. Então, há espaço para reflexão sobre o assunto, seguida da parte prática.
Para Nina, é muito duro aceitar que o corpo negro seja depreciado historicamente.“Sempre tem algo para ser desconstruído: é o cabelo chamado de duro e ruim, o corpo visto como feio e desajeitado. Existe um padrão de beleza inatingível muito reforçado pelos veículos de comunicação de massa que não atinge a todas as mulheres, mas com as meninas negras isso é muito potencializado.”
As oficinas costumam reunir 20 pessoas de idades variadas – inclusive homens. “Queremos que os homens entendam que esse tema não é só para mulher, há uma discussão de gênero também. É sempre gratificante e muito rico quando homens aparecem, e é legal que muitas vezes eles são mais participativos que as mulheres, chegam para falar, perguntar e aprender”, aponta Denna. “Afinal, muitos dos relatos femininos de experiência com o corpo, de depreciação e degradação, estão ligados ao homem.”
Ainda haverá visitas à aldeia indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (extremo sul de São Paulo); ao Jongo Dito Ribeiro, em Campinas; à Festa de São Benedito, em Tietê; e ao Teatro Popular Solano Trindade, em Embu das Artes.
Começa a tratar do cabelo
É de se olhar
Toda trama da trança
Transa do cabelo
Conchas do mar
Ela manda buscar
Pra botar no cabelo
Toda minúcia, toda delícia…
Estes versos da música Beleza Pura, de Caetano Veloso, estão sempre presentes nas oficinas Tecendo e trançando arte, dadas pelo Coletivo Manifesto Crespo.
Formado por quatro mulheres, o grupo discute as questões do universo da
cultura afro-brasileira e busca fortalecer a memória e a autoestima de
mulheres negras sob o viés da valorização do cabelo crespo.
Foi a partir da seleção em um edital da VAI (Valorização de
Iniciativas Culturais) que o coletivo começou a tomar forma – apesar de
todas as integrantes já possuírem relação direta com a temática. Denna
Hill, por exemplo, é trancista desde adolescente; Nina Vieira trabalha
fotografando cabelos. Lúcia Udemezue e Thays Quadros completam a
formação do Manifesto Crespo.“O cabelo é uma das partes mais intrincadas do corpo negro. Especificamente na mulher, ele aparece com muita força: a mulher negra não é referência nem padrão de beleza na sociedade”, afirma Denna, que sustenta um volumoso cabelo encrespado. “Por conta disso, sofremos muita violência estética e isso gera várias consequências, principalmente no processo de formação ao longo da vida.”
Patrimônio imaterial
A trança possui a tradição de ser um aprendizado geracional, quando mães e avós ensinam as filhas a usá-las e praticá-las. Para Nina, trata-se de “um patrimônio imaterial”. “Minha mãe me ensinou a fazer trança quando tinha sete anos, eu aplicava muito nas bonecas. Morávamos com minhas primas e passei a trançar o cabelo delas. Como eram três meninas em casa, uma trançava o cabelo da outra”, rememora Denna, que, quando adolescente, passou a trançar em salões de beleza. Mesmo assim, alisou o próprio cabelo até os 21 anos.
“Quando comecei a ter contato com pessoas que circulavam nas frentes de diálogos raciais e movimentos negros, comecei a repensar essa questão do alisamento”, relembra. “Um dia, cheguei em casa e pedi para minha mãe tirar todo o alisamento da minha cabeça. Ela chorou. Na época, ela alisava muito e não conseguia se libertar disso. Hoje, tem um blackpower e nem se imagina sem ele.”
A mulher negra não é referência nem padrão de beleza na sociedade
Já Nina utiliza dreadlocks há mais de sete anos. “Quando criança,
minha mãe fazia em mim trancinhas bem fininhas. Era lindo, um ritual do
final de semana, ela sempre cuidou com muito carinho e amor do meu
cabelo. Mas aí chegava na escola e vinha aquele monte de apelido, zoação
e segregação”, lamenta. “Convivi muito com esse contraponto. Em casa
era lindo, e na escola era um bombardeio de racismo. Passei a usar o
cabelo solto, mas minha mãe não deu conta e rapidinho já passou um
alisante.”No Ensino Médio, Nina fez tranças com lãs coloridas e descobriu que não mais precisaria alisar o cabelo. “Daí por diante foi só reflexão sobre a questão do corpo, do cabelo, a minha aparência, o quanto isso reflete e referencia as pessoas.”
Eu vou pentear os meus cabelos
Depois vou falar pra mina ali trançar os meus cabelos
Eu vou lavar os meus cabelos
Secá, pintá, alisá, cerá meus cabelos
Eu vou raspar os meus cabelos
Vou ficar penteando com escovinha de dedo os meus cabelos
Eita é cabeleira pra daná, aonde é que isso vai dar
As oficinas do Manifesto Crespo ensinam quatro técnicas de trançagem, além de outras maneiras de pentear o cabelo crespo – o turbante faz grande sucesso entre as participantes. Realizadas inicialmente em espaços comunitários como o Quilombaque de Perus, os CEUs de Guaianazes e Inácio Monteiro, o Cedeca e os ensaios do bloco Ilú Obá de Min, com a chegada do patrocínio do VAI, o grupo passou a frequentar espaços maiores, como SESCs e ONGs.
A atividade começa com uma dinâmica de grupo, na qual cada participante conta um pouco de sua história capilar. Então, há espaço para reflexão sobre o assunto, seguida da parte prática.
As oficinas do Manifesto Crespo geraram empreendimentos focados na beleza negra. Uma ex-participante fundou a Makeda Cosméticos,
uma empresa que desenvolve shampoo e cremes hidratantes para cabelos
crespos e leva o nome de uma rainha africana. Outro negócio inovador,
fruto do contato com as oficinas, é a Boutique de Krioula, que vende turbantes pela internet e já virou referência no Brasil.
“Normalmente o cabelo está sempre associado à uma questão negativa
para as mulheres negras. ‘Quando eu era criança todo mundo na escola me
chamava de medusa’ é um relato muito frequente. É a partir dessas
percepções que começamos esse trabalho de gênero e raça, tentando
minimamente desconstruir essa ideia pronta de que o corpo negro é um
corpo feio.”Para Nina, é muito duro aceitar que o corpo negro seja depreciado historicamente.“Sempre tem algo para ser desconstruído: é o cabelo chamado de duro e ruim, o corpo visto como feio e desajeitado. Existe um padrão de beleza inatingível muito reforçado pelos veículos de comunicação de massa que não atinge a todas as mulheres, mas com as meninas negras isso é muito potencializado.”
As oficinas costumam reunir 20 pessoas de idades variadas – inclusive homens. “Queremos que os homens entendam que esse tema não é só para mulher, há uma discussão de gênero também. É sempre gratificante e muito rico quando homens aparecem, e é legal que muitas vezes eles são mais participativos que as mulheres, chegam para falar, perguntar e aprender”, aponta Denna. “Afinal, muitos dos relatos femininos de experiência com o corpo, de depreciação e degradação, estão ligados ao homem.”
Dentro daquele turbante
Do filho de Gandhi
É o que há
Tudo é chique demais
Tudo é muito elegante
Manda botar!
Fina palha da costa
E que tudo se trance
Todos os búzios
Todos os ócios…
Em parceria com a União Popular de Mulheres do Campo Limpo, o coletivo recentemente foi laureado com o Prêmio Lélia Gonzalez – Protagonismo de organizações de mulheres negras,
que possibilitará a realização das oficinas em cinco territórios do
estado de São Paulo. “Em 2014 ultrapassamos as barreiras da cidade, e o
trabalho está começando a se expandir para outros lugares”, comemora
Nina.Do filho de Gandhi
É o que há
Tudo é chique demais
Tudo é muito elegante
Manda botar!
Fina palha da costa
E que tudo se trance
Todos os búzios
Todos os ócios…
Sempre tem algo para ser desconstruído: é o cabelo chamado de duro e ruim, o corpo visto como feio e desajeitado
O primeiro desses trabalhos aconteceu no Quilombo da Caçandoca, em
Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Em dezembro de 2014, o coletivo
realizou oficinas de tranças e turbantes com a comunidade quilombola,
que as recebeu “com muito carinho, acolhimento e atenção”, segundo Nina.Ainda haverá visitas à aldeia indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (extremo sul de São Paulo); ao Jongo Dito Ribeiro, em Campinas; à Festa de São Benedito, em Tietê; e ao Teatro Popular Solano Trindade, em Embu das Artes.
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