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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Educação, Direitos Humanos e Racismo no Brasil: contextos e conceitos chave da formação


Compreender como se deu o processo de construção de uma identidade negra no Brasil, reconhecendo o papel fundamental da escola nessa edificação foram os desafios propostos para o primeiro encontro do curso Educação, Relações Raciais e Direitos Humanos.
Um olhar mais atento para números, pesquisas e estatísticas, que trazem um panorama geral da situação das desigualdades raciais no país, muniu os/as presentes de elementos para análise e interpretação desse complexo cenário que constitui a educação brasileira.
Jaqueline Santos – mestre em Ciências Sociais e Assessora no Programa Diversidade e Raça na Educação da Ação Educativa – selecionou alguns dados do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (LAESER), com objetivo de mostrar como a população negra vivencia graves situações de exclusão.
O rendimento médio mensal dos/as trabalhadores/as brasileiros expressa precisamente tal questão. Embora, negros/as – aqui entendidos como pretos/as e pardos/as – constituam 50,74% da população, eles/as seguem ganhando quase a metade do que é destinado a população branca. No caso das situações entre os extremos, homens brancos e mulheres negras, essa diferença ultrapassa 100%:
Tabela com o Rendimento Médio Mensal da População Brasileira em 2010
Jaqueline destaca que este fenômeno pouco tem a ver com a escolaridade dos indivíduos, uma vez que, os dados do Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) demonstram que uma pessoa negra com o mesmo grau de escolaridade de uma pessoa branca, recebe em média 40% a menos.
Assim sendo, o que explicaria a diferença de rendimento entre negros/as e brancos/as, se a escolaridade por vezes é a mesma? Observe o quadro abaixo:
Tabela sobre o Mercado de Trabalho, Censo 2010 (IBGE)
Por exemplo, a posição “Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada”, as mulheres negras representam mais de 50% dos/as trabalhadores/as, enquanto na categoria “Empregador”, os homens brancos são a esmagadora maioria (50,9%). Ou seja, é possível concluir que a discriminação racial e de gênero atuam em conjunto, limitando as possibilidades de êxito da população negra no Brasil.

Mas qual é a origem desta discriminação?
Para legitimar a dominação e a escravidão, iniciadas com o processo histórico dos descobrimentos no século XV, surgem determinadas crenças e conceitos que validam as relações mercantilistas estabelecidas com África durante a colonização de seus povos. A partir da Revolução Francesa, em 1789, desponta o conceito de raça como categoria científica. De acordo com Jaqueline, “o Iluminismo justifica desigualdades por meio da definição de superioridade de raças. Esta foi à forma encontrada para legitimar a hierarquização e diferenciação entre burgueses europeus e escravos”.
Baseados nessa ideia de superioridade entre raças humanas definidas biologicamente é que se convencionou chamar de racismo a prática de atribuir características morais, intelectuais, culturais, psicológicas imutáveis a indivíduos que possuam um fenótipo parecido, ou seja, um conjunto de características físicas observáveis semelhantes.
Atualmente, embora já tenha sido comprovado que as raças biológicas para os seres humanos não existem, persiste o conceito de raça como categoria social e política. Neste ponto, Jaqueline menciona o conceito de raça histórica de Du Bois que viabilizou a apropriação do termo pelo movimento social negro.  “Os negros devido à escravidão moderna partilham de uma experiência comum na diáspora e sofrem até hoje as consequências do racismo. Para Du Bois, fazemos parte de uma raça histórica e por isso temos que lutar para melhorar as nossas condições de vida, e criar uma solidariedade internacional”, ressalta.

Intersecionalidade: incluindo questões raciais nos debates sobre gênero e direitos humanos e questões de gênero nos debates sobre raça e direitos humanos
Como visto anteriormente, quando o tema são as mulheres negras o que está sendo abordado são as desigualdades dentro da desigualdade. As experiências vivenciadas por este conjunto da população são marcadas pela sobreposição de processos discriminatórios presentes nas questões de gênero e de raça.
Retomando a análise dos dados, a divisão entre os indivíduos que se encontram entre pobreza e pobreza extrema, aqui entendida como o grupo de pessoas que recebem até R$ 70 por mês (IBGE, 2010), é possível constatar que as mulheres negras aparecem sempre nas piores posições:
Tabela sobre composição populacional de acordo as faixas de Salário Mínimo, Censo 2010 (IBGE)
Entre a população que recebe acima de 20 salários mínimos, elas representam apenas 3,5% do conjunto. Para Taciana Gouveia – mestre em sociologia, educadora feminista e Coordenadora Pedagógica do Projeto Formação em Direitos Humanos – a questão é reconhecer que não se pode considerar as categorias de discriminação separadamente.
“As desigualdades são produzidas a partir de três grandes estruturas inseparáveis: relações de classe, de gênero e raciais. Aqui entendendo gênero como – definido pela historiadora feminista Joan Scott – um elemento constitutivo de relações sociais, baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, uma forma primeira de significar as relações de poder.”, explica à educadora.
Para pensar as relações de gênero e de raça, Taciana traz quatro elementos trabalhados por Scott, são eles:
  • a dimensão simbólica: símbolos  culturalmente  disponíveis  que  evocam  representações  múltiplas (frequentemente  contraditórias)  –  Eva  e  Maria,  como  símbolo  da  mulher,  por exemplo,  na  tradição  cristão  do  Ocidente,  mas  também  mitos  da  luz  e  da escuridão,  da  purificação  e  da  poluição,  da  inocência  e  da  corrupção.  Para os/as historiadores/as, as questões interessantes são: quais as representações simbólicas evocadas, quais suas modalidades, em que contextos?
  •  a dimensão normativa: conceitos normativos que colocam em evidência interpretações do sentido dos  símbolos que tentam limitar e conter as suas possibilidades metafóricas.  Esses conceitos são expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas;
  • a dimensão organizacional ou institucional: esse tipo de análise tem que incluir uma noção do político, tanto quanto uma referência às instituições e organizações sociais, como o  mercado  de  trabalho  (um  mercado  de  trabalho  sexualmente segregado  faz  parte  do  processo  de  construção  do  gênero),  a  educação  (as instituições de educação socialmente masculinas, não mistas ou mistas fazem parte do mesmo processo) e o sistema político (o sufrágio masculino universal faz parte do processo de construção do gênero); e
  • a dimensão subjetiva, ou seja, da formação da identidade, dos sentimentos do indivíduo. O gênero é, portanto, um meio de decodificar o sentido e  de  compreender  as  relações  complexas  entre  diversas  formas  de interação  humana.
Ao tratar dos esforços para eliminar as barreiras das desigualdades, a socióloga evidencia a importância da atuação simultânea em todas as dimensões de Scott. O problema, para ela, estar em acreditar que as intervenções devam priorizar uma questão de cada vez. “Devemos trabalhar a possibilidade de que através do nosso pensar, possamos produzir conhecimento e dentro de uma luta ideológica, sobretudo a que se dá na dimensão normativa, seja possível combater conceitos discriminatórios. Temos que pensar como os conceitos e as produções do pensamento e do conhecimento são formas da gente fazer luta contra hegemônica, da gente mudar o mundo”, conclui.

Direitos Humanos, igualdade e diferença
Os direitos humanos quando começaram a ser construídos foram feitos a partir de determinados referenciais de poder. E desde a Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, foram estabelecidos inúmeros embates questionando e buscando ampliar esta carta de intenções e diversos outros instrumentos contemporâneos a ela.
Além de assegurar o cumprimento dos direitos humanos já conquistados, uma luta muito importante foi pelo afastamento do ideal centrado no que era chamado de universal, ou seja, homem branco, de determinados países do norte e heterossexual. Os movimentos sociais passaram a exigir o reconhecimento de iguais direitos na diferença, dos direitos específicos e da diversidade como valor.
Somente na Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada em 1993, que o conceito de gênero ganhou destaque, sendo acolhido na normativa internacional. A questão racial, por sua vez, começou a avançar em 2001, em Durban, na Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminação e Intolerâncias Correlatas.
A coordenadora da área de educação da Ação Educativa e doutoranda em educação, Denise Carreira, comenta sobre a importância da luta política na construção e garantia de direitos: “Devemos reter que direitos humanos são um processo de luta, que estão sempre em risco, devem ser sempre conquistados por nós dos movimentos sociais. É preciso construir uma agenda racial e gênero dentro do debate de direitos humanos e para tal precisamos conquistar vários instrumentos internacionais, que vão configurar um referencial e uma normativa internacional de enfrentamento das desigualdades e do racismo.”, salienta.
Para a coordenadora, concretizar direitos humanos no cotidiano significa assegurar políticas públicas com recursos suficientes, controle social e planejamento que permitam que as conquistas no âmbito legislativo se transformem em realidade.

Educação no Brasil: Uma educação pobre para pobres
A história da educação brasileira é profundamente marcada pelo racismo, assim transformá-la exige que se leve em conta os temas da identidade e da diversidade cultural. Atualmente muitos dos problemas identificados são facilmente explicados por este processo de negação da população negra, engendrado ao longo dos séculos.
Desde o período pós-independência, em 1822, o não investimento em uma política universal de educação pública é justificada por esta visão racista. Afinal, a gigantesca maioria da população do recém-criado país era constituída por negros/as escravizados/as, sujeitos de vários movimentos de resistência.
É somente a partir da década de 1930, com a imigração europeia e a sua função de branqueamento da população, que a proposta de uma política pública para a educação dá seus primeiros passos na Constituição de 1934. Já na década de 60, como parte de seus ideais desenvolvimentistas, o governo militar assume o projeto da construção de uma política nacional de educação. Porém, baseado em um modelo de expansão com baixo investimento por aluno e forte arrocho salarial dos /as profissionais da educação.
O processo de democratização e a Constituição de 1988 trouxeram avanços, mas estes são limitados pela onda de reformas neoliberais e as poucas mudanças estruturais do Governo Lula, avalia Denise. Para ela, “de modo geral, podemos dizer que da negação do outro/a como ser humano, como detentor/a de direitos, que caracterizou o século XIX e a grande parte do século XX, passamos por políticas que na prática reconhecem ao conjunto da população o direito ao acesso à educação, mas garantido com base em uma educação de baixa qualidade”.
Essa precarização do universo da aprendizagem, apesar da melhoria de todos os indicadores educacionais na última década, é comprovada pela manutenção das desigualdades, sobretudo relacionados às variáveis de renda, raça/etnia e campo/cidade.
Baseada no Informe Gênero e Educação de 2011, elaborado para a Campanha Latino americana por uma Educação Não Sexista e Anti Discriminatória, Denise destaca seis grandes pontos relacionados às questões raciais na educação de nosso país. São eles:
  • as  desigualdades  persistentes  entre  as  mulheres  brasileiras;
  • a  situação  de  pior  desempenho  e  de maiores  obstáculos  para  permanência  na escola por parte dos meninos brasileiros, em especial, dos meninos negros;
  • a  manutenção  de  uma  educação  sexista,  homofóbica/lesbofóbica,  racista  e discriminatória no ambiente escolar;
  • a concentração das mulheres em cursos e carreiras “ditas femininas”, com menor valorização profissional e limitado reconhecimento social;
  • a baixa valorização das profissionais de educação básica, que  representam quase 90%  do  total  dos  profissionais  de  educação,  que  –  em  sua  gigantesca  maioria  – recebem salários indignos e exercem a profissão em precárias condições de trabalho;
  • o acesso desigual à educação infantil de qualidade.
Segundo Denise, é fundamental agregar estas pautas à luta pelo financiamento e pela ampliação da definição de uma educação de qualidade. A coordenadora explica que a agenda da educação deve questionar “a função social da escola, denunciar o racismo e outras discriminações, lutar pelo reconhecimento das diversas identidades negativadas no cotidiano, histórias invisibilizadas, corpos sem saberes e a discussão das ações afirmativas. Entre as nossas metas, é necessário não somente avançar na expansão universal, é preciso olhar para as desigualdades.”, finaliza.

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