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quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Brasil profundo

Pesquisadores do Amapá encontram poço funerário construído há quase mil anos por povos indígenas

Déborah Araujo
  • As urnas de cerâmica encontradas no poço funerário pertenceram à etnia indígena palikur, que teria habitado a região entre 1.000 e 1.300. (Foto: Divulgação / João Saldanha)
    As urnas de cerâmica encontradas no poço funerário pertenceram à etnia indígena palikur, que teria habitado a região entre 1.000 e 1.300. (Foto: Divulgação / João Saldanha)
    Um litoral povoado e um interior vazio. Esta foi, durante muito tempo, uma concepção de demografia histórica que fez sucesso no país. A arqueologia, entretanto, mostra o contrário: por conta das transformações naturais e das geradas pelo homem, diversas regiões possuem características diferentes das que apresentavam séculos antes. “Muitos locais que hoje são cobertos por florestas, como é o caso da Amazônia, eram habitados por diversas populações, até mais que no litoral”, ressalta o professor de arqueologia Eduardo Góes Neves, da Universidade de São Paulo. Segundo ele, a região possui uma grande diversidade de sítios arqueológicos no que se refere a aterros feitos pelo homem, como também vestígios em cerâmica. “Acho que existe uma correlação entre a diversidade natural na Amazônia e a variabilidade dos povos antigos da região”. Um exemplo disso é o poço funerário localizado próximo à cidade de Macapá (AP) por pesquisadores do Instituto de Pesquisas do Amapá (Iepa).
    O poço encontrado tem uma forma inédita: são várias câmaras mortuárias para sepultamentos simultâneos ao invés de uma câmara separada. Os restos mortais eram sepultados em urnas feitas de cerâmica pertencentes à etnia Palikur, e colocadas nas câmaras. O local teria sido construído por povos indígenas que habitaram a região entre 1.000 e 1.300 da nossa era. “Esse poço está muito distante da área onde geralmente se conhecia sua ocorrência. É a primeira vez que encontramos diversas câmaras laterais onde foram encontradas as urnas”, explica João Darcy de Moura Saldanha, arqueólogo do Iepa e coordenador da pesquisa. A descoberta foi feita em um sítio arqueológico de quatro hectares, em 2010, a cerca de dois quilômetros da comunidade quilombola do Curiaú, na zona norte de Macapá.
    (Foto: Divulgação / João Saldanha)
    (Foto: Divulgação / João Saldanha)
    Para abrir o poço funerário, foram utilizadas máquinas escavadeiras que, controladas pelos arqueólogos, decapam o solo gradualmente até a localização de estruturas. “Com isto temos áreas enormes que são abertas e o número de achados cresce de forma exponencial, aumentando a chance de descobertas inéditas como esta”, ressalta o arqueólogo João Saldanha. E esse é só o início das pesquisas na área. “Calculamos, pela dispersão dos materiais arqueológicos, que o poço deve medir 8 mil metros quadrados e só escavamos pouco mais de mil”, acrescenta ele.
    Os vestígios encontrados – materiais cerâmicos e ossos humanos – até agora estão em processo de análise no laboratório de Arqueologia do Iepa, em Macapá.  “Queremos, em parceria com a comunidade do Quilombo do Curiaú, montar uma pequena exposição com os materiais mais representativos, uma forma de dar um retorno com informações da história do território de ocupação no próprio território”, ressalta o arqueólogo. Essa proximidade do sítio arqueológico indígena pré-cabralino como quilombo construído na região no século XIX também é um destaque para a pesquisa, uma vez que “a presença de comunidades quilombolas na região Amazônica ainda é um tema pouco estudado”, observa Eduardo Góes Neves. Uma proximidade entre tradições materiais que, literalmente, é uma das bases do Brasil.

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